quinta-feira, 19 de junho de 2008

A Cidade Antiga - Primeiro


A Cidade Antiga
Autor: Fustel de Colanges
Livro primeiro


Resenha:

Introdução:
I. Crenças sobre a alma e sobre a morte.
As idéias, regimes, modo de viver, de pensar do ser humano sempre girou em torno desse tema. As analises do homem a respeito de sua natureza, alma e o mistério da morte, sempre apontaram mais de um caminho, por isso, todas as varias crenças, a respeito desse assunto, eram levadas a serio.
As varias crendices sobre esse assunto, eram tratadas com tanta seriedade, que a sociedade, davam mais importância, para a vida, após a morte. Até onde nos é dado remontar na historia da raça indo-européia, de onde se originaram as populações gregas e italianas, observamos que essa raça jamais acreditou que, depois desta nossa breve existência, tudo terminasse com a morte do homem.
As gerações mais antigas, bem antes que existissem filósofos, já acreditavam em uma segunda existência para além desta nossa vida terrena. Para os Gregos e Romanos, a alma passaria a segunda existência junto dos seres humanos, continuando assim, a viver aqui mesmo na terra com todos os seres vivos, acreditava-se, e por muito tempo, que esta segunda existência da alma continuava com um corpo mesmo com a morte, e os procedimentos de praxe, pois, eram tomados.
Essas crendices por mais remotas que sejam, delas permanecem o testemunhos autênticos como os ritos fúnebres, que nos ajuda a compreender melhor. Os procedimentos fúnebres mostravam claramente, como eles acreditava que as pessoas teriam que sobreviver debaixo da terra, por isso enterrava juntos com o morto, uma serie de objetos que o próprio morto tinha determinado; objetos tais como: comida, bebida armas, vasos roupas, bem como meio de transporte, como cavalo, por exemplo. Chegavam ate a sacrificar escravos para servi-los no pos-morte. Tal fato mostra-nos o quanto era comprometido com essa crença, inclusive os nobres da época.
Desta crendice primaria, surgiu a necessidade de sepultamento, pois acreditava que a alma sem uma sepultura tornava-se perversa, atormentando os vivos com aparições, provocando doenças, advertindo os que tanto seu corpo como ela própria desejava uma sepultura. Daí vem à crença da alma do outro mundo, e o povo antigo passou a creditar que só com o sepultamento conseguiria a felicidade para todo sempre. Não bastava somente enterrar o corpo, era necessário obedecer alguns ritos tradicionais e formulas das cerimônias fúnebres, algumas eram capazes de evocar as almas fazendo-as sair por alguns instantes do sepulcro.
Ao término da cerimônia fúnebre, havia o costume de chamar três vezes a alma do morto pelo nome que ele havia usado em vida, desejando-lhe vida feliz debaixo da terra. Dizia-se lhe por três vezes: Passe bem. E acrescentava-se: ”que a terra te seja leve”, em uma demonstração de quanto se acreditava que o mesmo ser continuaria a viver debaixo da terra e lá conservando a habitual sensação de bem estar ou de sofrimento. No tumulo escrevia-se que o defunto ali repousava: afirmação essa que sobreviveu às próprias crenças e que, atravessando os séculos, chegou até nossos dias.
Temia-se menos a morte do que a privação da sepultura, pois desta dependia a felicidade eterna. Eram comuns os atenienses matarem seus generais, que não recolhia os corpos dos soldados mortos após uma batalha, mesmo que essa batalha tenha sido vitoriosa.
Havia também entre os antigos quem acreditava na existência de um lugar subterrâneo, bem maior do que túmulo, onde as almas se desprendiam do corpo, sendo as penas e recompensas, distribuídas conforme a conduta que tivera durante a vida.
Alguns rituais mais antigos diferenciavam-se dos outros, um deles é a convicção de que a corpo não se separava da alma e permanecia aonde fossem enterrados, e nada tinham a prestar conta de sua vida anterior, o que nos mostra a sua noção de vida vindoura. A havia também uma celebração, um tipo de comemoração, aonde as famílias colocavam diversos tipos de comidas sobre o tumulo, e anunciavam dizeres que invocava o defunto, para participar das comemorações. Plutarco conta como, depois da batalha de platéias, tendo os guerreiros mortos sido enterrados no local de combate, os plateanos se comprometeram a oferecer-lhes todos os anos o banquete fúnebre.
Os alimentos que eram oferecidos aos mortos, não podiam ser tocados por outros, pois eram alimentos destinados as necessidades dos defuntos. Pode parecer que isso é um absurdo, porem para aquela época, esses rituais e essas maneiras de pensar, eram levadas muito a serio. Para nos tais praticas e crendice, podem parecer estupidez ou idiotice, mas para eles não. Tais crenças tinham extrema importância e influencia, na vida do homem primitivo.
Vale lembrar que nessa época não havia ainda, acontecido o advento da vinda de Jesus Cristo. E todas as conseqüências desta, como por exemplo, o trabalho de missionários, que sem entrar no mérito da questão, trouxe um tipo de libertação psicologia, para a humanidade, pois no cristianismo, como se sabe o que se prega é a morte como um acontecimento, definitivo no que tange a comunicação, contato, ficando claro que necessidades tais como: comer, beber, vestir, segurança, são exclusivas dos seres humanos vivos. Assim sendo pode-se afirmar que tais praticas, foram aos poucos abandonadas devido a presença, de ensinos religiosos, que de certa forma, combatiam essas praticas, levando as pessoas, pouco a pouco a mudarem de opinião, e começarem a duvidar, dessas crenças, que eram passadas de pais para filhos, de maneira bem rigorosa.
A felicidade das pessoas, estava baseada na eficácia desses ensinamentos, aos mais novos, já que todos acreditavam que é com a morte, que começa a verdadeira vida eterna.
II. O Culto dos Mortos
Desde tempos mais remotos, essas crenças deram lugar a normas de conduta. Uma vez que o morto necessitava de alimentos e bebida, pensou-se ser dever dos vivos satisfazer-lhe essa necessidade. O cuidado de levar aos mortos os alimentos não foi deixado ao sabor do capricho ou dos sentimentos mutáveis dos homens; foi obrigatório. Desse modo se estabeleceu uma verdadeira religião da morte, cujos dogmas cedo desapareceram, perdurando, no entanto, os seus ritos até o triunfo do cristianismo. Essas crenças criaram ao longo dos anos algumas regras, como a de alimentar os mortos. Isso estabeleceu uma verdadeira religião da morte com seus dogmas e rituais que desapareceram com o cristianismo.
Como os mortos eram tratados iguais a criaturas sagradas, os antigos os adoravam como se fossem deuses, tanto mau quanto do bem, suas sepulturas possuía uma inscrição sacramental Dis Manibus. Chamavam os bons, de santos, bem-aventurados. Tinham por eles toda a veneração que o homem pode ter pela divindade a quem ama e teme. No pensar deles, cada morto era um deus.
Essa espécie de apoteose não era privilegio dos grandes homens; entre os mortos não havia distinção de pessoa. A criatura divina como chamava os antigos, permanecia encerrado no seu túmulo, Manesque sepulti, diante da sepultura havia um altar para sacrifícios igual ao que há em frente dos templos dos deuses. O culto dos mortos é encontrado também entre os helenios, latinos, sabinos, etruscos e hindus.
Na Índia encontramos o livro das leis de manu, que nos apresenta como o mais antigo culto praticado pelos homens, ainda hoje os hindus continuam fazendo oferendas aos seus ancestrais, essas idéias e rituais são o que há de mais antigo encontrado na raça indo-européia.
O culto na Índia era o mesmo que na Grécia e na Itália. O hindu deve oferecer à alma dos mortos o alimento denominado sraddha (arroz, leite, raízes...), como no grego encaravam-se os mortos como seres divinos, se deixassem de fazer o sraddha ao morto, sua alma se tornaria errante, atormentando os vivos, trazendo-lhes doenças, enfim enquanto não se restabelecessem os rituais os mortos não voltariam ao túmulo. O morto cultuado desempenha um papel importante na vida das pessoas, ao se encontrar um túmulo parava-se e dizia-se: “Tu, que és um deus sobre a terra, seja-me propício".
Essa religião dos mortos parece ter sido a mais antiga que existiu, antes de adorarem Indra ou Zeus, homem adorou seus mortos, pela primeira vez o homem teve a idéia do sobrenatural, acreditou em coisas que transcendiam, talvez morte foi seu primeiro grande mistério e elevou seu pensamento do visível ao invisível, do humano ao divino.
Os gregos chamavam as almas humanas divinizadas pela morte de demônios, ou heróis. Os latinos apelidavam-lhes lares manes, gênios.
III. O Fogo Sagrado
Toda casa de grego ou romano, abrigava um altar; sobre ele devia ter sempre um pouco de cinzas e brasas. Era obrigação sagrada do dono da casa conservar o fogo aceso dia e noite. Grande desgraça seria para a casa se o fogo se extinguisse! Infeliz daquele que deixasse chama apagar. Ao anoitecer cobria-se com cinza os carvões, para que não se consumisse totalmente, e no dia seguinte a primeira coisa a fazer era acender o fogo. O fogo só deixava de brilhar o altar quando todos da família morressem.
Evidentemente que manter o fogo sobre o altar fazia parte de alguma antiga crença, pois para manter esse fogo acesso não era permitido alimenta-lo com qualquer tipo de madeira, a religião distinguia entre as árvores a que podia ser usada. Num determinado dia do ano, as pessoas apagavam o fogo do altar de suas casa, e acendiam-no no dia seguinte. Para acender o novo fogo devem-se observar alguns ritos, esse deveria ser feito da seguinte forma: encontra-se um ponto onde incida os raios do sol, com dois pedaços de madeira de determinada espécie, fricciona-los até acender o fogo. Para os homens desta época esse fogo não era apenas uma de decoração, eles viam algo mais no fogo que queimara sobre os altares.
Esse fogo possuía algo de divino; eles adoravam-no e prestavam-lhe verdadeiro culto. Ofertavam-lhe tudo quanto julgavam agradar a um deus: flores, frutas, incenso, vinho. Imploravam sua proteção, pois o julgavam poderoso. Dirigiam-lhe preces fervorosas para dele obter os objetos eternamente desejados pelo homem: saúde, riqueza, felicidade; e assim o viam como um deus protetor, forte, que protegia suas casa e famílias, quando na presença de perigo procuravam refugio junto dele.
O fogo do lar era tão importante que Agamenon retornando da guerra de tróia, ia mostrar sua gratidão e alegria ao fogo do lar, os homens quando chegavam em casa, antes mesmo de beijar a mulher ou abraçar seus filhos, parava em frente ao fogo para invoca-lo. A cerimônia era simples, em alguma hora do dia colocavam nele ervas e alguns pedaços de lenha, o fogo lhes aparecia brilhante, ofereciam-lhe sacrifícios, vinho, óleo, incenso e a gordura da vítima, esse era o momento de invocação. A cerimônia sagrada sem dúvida era o meio em que o homem entrava em comunhão com deus, deixaram por muito tempo seus vestígios entre os homens seus ritos e modos de falar que o próprio incrédulo não podia desprezar.
O culto ao fogo sagrado não foi exclusivo dos povos da Grécia e Itália, aparece também no oriente com a religião de Brama, já estabelecida anteriormente às leis de Manu. O culto de brama colocou em segundo plano, embora sem ter conseguido destruí-la. O brâmane tem o dever de manter o fogo aceso dia e noite, e todas as manhãs e todas as noites, oferecerem-lhe lenha e alimento, a refeição aqui também aparece como um ato religioso descrito nas leis de Manu.
Os hindus assim como os gregos e romanos, julgam os deuses como seres que necessitam não só de honras e respeito, mas também bebidas e alimentos. Como na Grécia, os hindus têm o fogo como uma espécie de divindade, através das orações pede-lhe saúde, proteção e riqueza para sua família.
É certo que os hindus gregos e italianos não aprenderam uma com os outros a pratica da religião do fogo, porém eles descendem de uma mesma raça, os árias. Os árias viveram na Ásia central em uma época muito remota, e pela primeira vez se deu origem as crenças, ritos e a religião do fogo sagrado. Daí então as tribos dos árias se separaram trazendo consigo esse culto comum e levando umas para as margens do Ganes e outros para as margens do Mediterrâneo. Mais tarde já sem relações umas com as outras, um adorando Brama e outro adorando Zeus, mas mantiveram como tradição esta religião primitiva.
Quando os povos da Grécia e Itália começaram a representar seus deuses como pessoas e dar forma humana, o culto do fogo sofreu a mesma influência e passou a ser chamado de Vesta, chegou até mesmo ser representado por meio de estátuas, mas não consegui destruir os vestígios da crença primitiva.
O fogo do lar é inteiramente puro, somente podendo ser produzido com determinados ritos e alimentado com determinada espécie de madeira. É verdade também que aquece e coze os alimentos sagrados, mas tem ao mesmo tempo um espírito, uma consciência, dita deveres e vela para que sejam cumpridos. Moralmente possui sentimentos e afetos, concede ao homem a pureza, ordena o bem e o mal, e alimenta a alma. Pode se dizer que mantém a vida humana na dupla sucessão das suas manifestações: representa ao mesmo tempo, a origem da riqueza, da saúde e da virtude. Isto nos leva de volta ao culto dos mortos, estão tão ligados que a crença dos antigos faz deles uma só religião, os antigos quando falavam de seus mortos esses estavam sempre ligados ao fogo, quando falavam do fogo recordavam o nome de seus antepassados.
Existe uma nítida relação entre o culto dos mortos e do fogo sagrado, essa religião antiga que tirava seus deuses do próprio homem, e tinham, como objeto de adoração, o ser invisível que está em nós, a força moral e pensante que anima e governa o nosso corpo.
Essa religião nem sempre foi igualmente poderosa, com a mesma influencia sobre a alma; pouco a pouco se enfraqueceu, mas nunca a ponto de desaparecer inteiramente. Contemporânea das primeiras idades da raça ariana entranha-se tão profundamente no psiquismo dessa raça, que não bastou, para desenraiza – lá, a brilhante religião do Olimpo grego, tendo sido necessário o cristianismo para a vencer.




IV. A Religião Doméstica
Não podemos imaginar essa antiga religião por semelhança com as fundadas mais tarde, em civilização mais avançada. Há muitos séculos o gênero humano só admite uma doutrina religiosa sob duas condições: a primeira, anunciar-lhe um só deus; a segunda, dirigir-se a todos os homens e ser acessível a todos, sem repelir sistematicamente. Mas a religião dos tempos primevos não obdecia a nenhum desses dois requisitos.
O fato da religião do povo antigo não adorar um só deus, e também os deuses não aceitavam a adoração de todos os homens, isso a torna uma religião estritamente doméstica, ou seja, em cada família, tinha-se um deus. E um estranho não podia se chegar perto. Somente o filho poderia oferecer culto ao pai.
O culto dos mortos se assemelha com a dos cristãos católicos romanos, em relação aos santos. O culto aos mortos somente era aceito se feito por um membro da família, a lei proibia qualquer estranho de se aproximar do túmulo, até mesmo tocar o pé mesmo que por descuido. O culto aos mortos representa realmente o culto aos antepassados, tanto na Grécia como na Índia o filho tinha o dever de fazer o culto a seu pai e seus antepassados, o não cumprimento desse dever acarretaria uma série de mortes e destruindo a felicidade. Mas se feito os sacrifícios, os ritos, se os alimentos fossem levados aos túmulos nos dias determinados, então tínhamos no antepassado um deus protetor. A ligação entre os vivos e os mortos era muito forte, unia gerações de uma mesma família constituindo um corpo eternamente inseparável.
Cada família possuía um túmulo onde sepultava os seus mortos, ali celebravam cerimônias, festejavam seus aniversários. Nos tempos mais remotos, o túmulo ficava dentro das casas na parte central não muito próximo a porta, assim toda vez que um membro da família entra-se ou saí-se, deveria fazer-lhes uma invocação. Desta forma os antepassados continuavam fazendo parte da família, tendo sempre o pai como imortal e divino.
É difícil compreendermos como o povo antigo pudesse adorar seu pai e seus antepassados contrários às religiões de hoje. Porém devemos lembrar que os antigos não tinham a idéia da criação, por isso, a adoração que faziam aos seus ancestrais pode representar o mesmo significado do mistério da criação que temos hoje.
Conclusão:
O fogo sagrado era tão ligado na família, que cada família possuía o seu. As cerimônias não eram públicas, era realizada no interior das casas, cada família tinha o seu próprio ritual e jamais o fogo era colocado para fora nem mesmo próximo à porta de saída. Para essa religião doméstica não existam uniformes ou regras comuns, cada família agia com total independência. Nenhum poder externo tinha o direto de interferir nos cultos, apenas o poder externo podia certificar-se de que o pai cumpria com os deveres, mas não podia ordenar nenhuma mudança nas regras da sua religião doméstica. Deste modo as religiões não se manifestavam nos templos, mas sim nas casas, as quais cada uma possuía seus deuses e protegia sua família, isso nasceu naturalmente do espírito humano, tendo sua origem na família. Os ritos e orações passados de pai para filho, caracterizavam que somente o pai tinha poder da reprodução, as mulheres só participavam do culto através de seu marido ou seu pai.
Essa religião só podia propagar-se pela geração. O pai dando a vida a seu filho transmiti-lhe ao mesmo tempo a sua crença, o seu culto, o direito de manter o lar, de oferecer o repasto fúnebre, de pronunciar as fórmulas da oração. A geração estabelecia esse vínculo misterioso entre o filho que nascia para a vida e todos os deuses da família. Esses deuses eram a sua própria família, thèoi enghenéis; eram o seu sangue, thèoi synaimoi. A criança se fazia portadora logo ao nascer, da obrigação de adorá-los e de lhes oferecer os sacrifícios, assim como também, mais tarde, quando a morte a tivesse divinizado, estaria ela própria, por sua vez, contada entre o número dos deuses da família.
Aspectos Jurídicos.
Hoje em dia muito se debate a respeito dos Direitos das Mulheres, e é importante perceber que esse debate, se da devido ao “machismo” que se tornou parte da cultura do Homem.
Nesse livro verifica-se que tal comportamento tem origem remota, e que esse problema atualmente esta tão presente agora, como nos primórdios da humanidade. Pode-se dizer que o problema verificado no nosso dia-a-dia, é bem mais complexo do que se imagina, e que o tal jamais poderá ser resolvido com um arcabouço de leis bem intencionadas, se o problema não for atacado na “raiz”, e essa maldita “raiz” é a falta de educação.

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